domingo, 11 de setembro de 2011

Apresentação: do útil ao chocolate.


Nos últimos anos a internet vem cada vez mais se constituindo como um instrumento estratégico de aperfeiçoamento dos trabalhos coletivos por viabilizar fóruns permanentes de socialização de materiais e troca de experiências. Há já algum tempo me sinto provocado a desenvolver um espaço virtual que qualifique as discussões e invenções práticas que venho desenvolvendo junto com alunos (as) dos espaços educacionais institucionais e com educandos (as) dos movimentos populares rurais e urbanos com os quais venho interagindo.

Esta provocação sempre esbarrou em minhas ignorâncias digitais, na dificuldade em encontrar tempo para alimentar uma página com certa periodicidade ou pelo fato de uma parte significativa dos agentes com os quais interajo encontrarem-se sem condições de acesso a internet. Neste contexto, sempre procurei fazer uso de outros recursos, no mais das vezes sem a qualidade que um espaço virtual viabiliza.

No primeiro semestre de 2011, ao realizar uma avaliação dos trabalhos do primeiro semestre com o grupo de Introdução a História do Curso de Arquivologia da Universidade Federal de Santa Maria esta provocação novamente se fez presente: observamos naquela oportunidade que um blog, com toda a simplicidade que tem, seria um instrumento que poderia concentrar materiais que vinhamos utilizando em nossos trabalhos e que, no mais das vezes, não estão disponíveis nos circuitos tradicionais do mercado cultural.

Ao mesmo tempo, é perceptível que uma abordagem do processo educativo que não se restrinja a concepções tradicionais, mas que tome como referência uma visão socialmente mais ampla e generosa da experiência humana, esbarra sistematicamente no descompasso entre as hierarquias e rotinas existentes entre a vida cotidiana de seus agentes, dos movimentos sociais populares e as instituições educacionais. No mais das vezes, este descompasso é produto mesmo de uma pretensão deliberada das hierarquias e rotinas das instituições privadas ou estatais em projetarem-se sobre as outras dimensões da vida comunitária.

Este descompasso sempre representa um obstáculo para ações aparentemente simples, como encontros e trocas de experiências: a este respeito um blog novamente se apresentou como um instrumento operacional paliativo.

Estes elementos me provocaram a enfrentar minhas ignorâncias digitais e abrir este espaço de troca de materiais, ideias e experiências. Aqui estarão disponíveis as agendas e registros de atividades e seus materiais. Ao mesmo tempo é um espaço onde todos os agentes podem contribuir com ideias, provocações, propostas e materiais.

A abertura deste veículo de trocas e construções me traz a recordação da descrição de um certo Chico a sua personagem Abá, ao ser provocada por Juvenal, no sugestivo romance Fazenda Modelo – novela pecuária, de 1974.

“Não é mais criança. Já pretendeu, sim, organizar um mundo a partir do sentimento que sua gente tem dentro sem conhecer. Quis conhecer a nova forma de vida, uma norma nossa que não fosse essa e nem aquela e não dá para explicar, porque a gente tem isso muito dentro, muito sem conhecer mas tem. Um tumor benigno que, localizado, é pedra filosofal que transforma o ouro em chocolate, em qualquer coisa útil ou amável. Uma ideia gorda e talvez uma ideia incomoda porque absorve ou rejeita ideias velhas, algo assim ou não como uma sabedoria mulata. Nada que mulata que inglês viu e bolinou. Outra surpresa tão mestiça que única, total, tutano que inglês não realiza nem supõe, teme o contágio. Mas percebe-se que tais conceitos sempre se confundiam no momento exato da expressão. No dia D, na hora H, no X do problema Abá tropeçava misteriosamente. Guaguejava, engasgava, ficava zarolho, insistia. Retomava do princípio, o sentimento, a pedra, o tumor, o tutano, o sonho coletivo, o nexo sem palavra, a ante-ginga mulata. E esbarrava sempre na ante-sala do carnaval, a explosão abafada sob a redoma invisível.

Enquanto isso os invisíveis se divertiam da gente andar meio de lado, sacudindo, balanço que não é dança, é o desengonço da nossa bitola nos trilhos que não são nossos. Os invisíveis gostavam. Riam de nós plantando goiaba e comendo só goiabada. Riam muito da gente ser risonha até quando pega fogo. E agora os indivisíveis, que sempre se interessaram na nossa bagunça, resolvem patrocinar a nova ordem, que não é nova nem nossa. Os indivisíveis gozam de haveres e poderes na Fazenda, senão por escritura, ao menos por usucapião. Juvenal preposto, preboste, convoca Abá. Abá já não é mais criança, paga para ver.”

Em suma, este espaço é de todos aqueles que, nesta Fazenda, estão interessados em construir a nossa norma, em trilhos de bitolas que são nossas. É de todos aqueles que, como eu, prezam por seus próprios tutanos e, na ânsia de transformar ouro em chocolate, pretendem ser menos zarolhos e mais comprometidos em entender como funcionam as redomas invisíveis e materiais que nos fazem gaguejar e tropeçar no dia D e na hora H, e nos impedem de transformar as coisas uteis em coisas amáveis.

É de todos (as) Abás que das redomas invisíveis que nos fazem desengonçados andar, estão mais desejosos de arrebentá-las ao meio. É daqueles que pagam para ver!